Logo eu, Mizete, que gostava tanto do senhor. Era muito lido, muito simpático, e tinha maneiras como um lorde inglês. Estávamos a ver o telejornal, eu o António os miúdos, e começam cu para aqui cu para acolá. O mais velhinho perguntou se era tomar ou levar. A outra está sempre distraída, mas quando dá para a maldade quer logo saber tudo. O António coradíssimo ensaiou-se com a abelhinha e a florzinha, mas a minha sogra que está com Alzheimer contou a história da tipa das Doce, não a do nosso Primeiro mas a outra que levou pontos por causa do Reinaldo — e depois era o cu, era o tarolo dos pretos, e o António aos berros com a mãe para se calar por causa das crianças e a velha a falar dos tarolos que tinha visto em África quando era solteira porque eles tomavam banho no rio todos nus e a velha pôs-se a abrir as mãos assim e a dizer que eram deste tamanho, pareciam burros, e que nenhuma mulher aguentava aquilo principalmente por trás, Mizete. Então a Raquelinha, que é muito reguila mas sensível, começa a ficar assustada e a chorar e a minha sogra a dizer que o falecido tinha um tarolo piqueno, embora maior que o do António, e eu a julgar que o meu marido se atirava à velha, e a raquelinha a chorar a chorar e eu perguntei-lhe “o que é que tens filha?”, e ela diz-me aos soluços “ó mãe, eu não quero tomar no cu!”. Ó filha havias de tomar no cu, disse-lhe eu, claro que não meu amor. Nem quando for grande pois não pergunta ela, não filha nunca. O pai nunca fez isso contigo pois não mãe, não filha cá em casa ninguém tomou no cu. Fala por ti, disse a velha. E o António levanta-se, muito lívido, muito calado, pega no telefone e nessa mesma noite deus seja louvado foi pôr a carqueja ao lar. De modo que é assim, Mizete, eu já não gosto do senhor mas por outro lado filha não posso dizer que me tenha feito mal. Antes pelo contrário.
Luis M. Jorge
Delicioso! O texto, claro…
E assim chegamos à nossa essência. E ficamos nela, pois de nós não fugimos, nunca. Pena.
Meu caro: uma autêntica obra de arte este post (sem ponta de ironia ou sarcasmo).
Sem ironia mas com um bocadinho de hipérbole, Fernando. Um abraço.
Permita-me, sem hipérboles nem figuras de estilo manhosas, reafirmar o que diz o leitor Fernando Martins.
Arte e dinâmica, muita em tão poucas linhas. Muito bem!
Lá síntesezinha tem.
‘o que eu gosto é de fedelhos
ir-lhes ao cu, dar-lhes conselhos’
António Botto morreu miseravelmente num hospital do Rio
Fdp da velha, nem com o alzheimer se esqueceu do c. dos pretos. f- se ó marilú, pqp, está de génio, isto dava um filme do Ettore Scola, c.
Estava a imaginar a Rueff a dizer isto.
Texto sublime,o de L.M. Jorge. Como diria Artaud, ” o absoluto não precisa de nada. Nem de deus, nem de anjo, nem de homem, nem de espirito, nem de começo, nem de matéria, nem de continuidade “. Niet
Mon Dieu.
Caro Luís, como (creio) terá escrito Francisco de Quevedo alhures no Siglo de Oro espanhol: “todos pueden vivir sin ojos, pero nadie puede vivir sin el ojo del culo”…
Ah, o Século de Oiro.
“…lhe responderei que, com pena minha pela evidente má criação, terei de lhe pedir para ir tomar no cu, ou, em alternativa, que peça a minha detenção por desobediência.” fjv
Lembrar o original…
É uma fantasia recorrente, a de que nos seus assaltos Fisco se ficasse por a essas duas opções, tomar no cu ou prender a vítima. Na realidade, o Fisco costuma adoptar uma terceira, a execução; fiscal, claro.
Porra pá, como uma conversa de ir ao cu pode resultar no post do ano! Clap clap clap!
O Luis M.Jorge quando começa a delirar é grande.
Delirante me confesso.
Esta minha tendência para o exagero leva-me a sugerir uma alternativa:
Vão tomar (ou levar, ou apanhar) nos CUbíCUlos de onde saíram…
[…] às gargalhadas. Mal fui capaz de lhe dizer o que era, apontei-lhe no ecrã o post do Luís Jorge «Tomar no cu». Queria à força que eu lhe traduzisse aquilo. Impossível – não se consegue. Mal […]