O caso de Yaya Touré é o mais recente. O público , ou uma parte do público, afecto à equipa da casa mima um jogador negro da equipa adversária com sons a imitar macacos ( ou atira casacas de bananas). Duas coisas me interessaram sempre neste assunto:
a) Por que motivo , muitas vezes, a assistência se junta à atitude de um pequeno grupo provocador,
b) Como reagem os negros que estão em campo a jogar pela equipa cujos adeptos humilham os colegas da equipa adversária.
A primeira questão tem duas leituras. A tradicional, da psicologia de massas e o seu efeito de contágio, e a freudiana: não somos contagiados por nada, apenas nos sentimos livres para exprimir o que sentimos num contexto de anonimato e impunidade. Prefiro, é claro, a segunda.
A segunda é mais dicey. A ambiguidade e a sinalização do comportamento como excepional ( bem como a mais prosaica necessidade de ganhar a vida) podem explicar por que motivo os jogadores negros da equipa da casa não se sentem também eles epitomizados como macacos. A ambiguidade é recordada aqui ( recordem o caso com Aragonez). Para os culés de Barcelona, o seu Eto’o era El Negro, uma apreciação positiva e apaixonada ( dizem). A outra face da ambiguidade ( os macacos são os outros pretos, os da equipa adversária) é que é o diabo…
Anwar Malek chamava-lhe a hegemonia das minorias instaladas, Edward Said falava de um etnocentrismo ao limite. Ou seja, a participação no insulto racista e a complacência dos negros, assalariados do clube cujos adeptos insultam outros negros, são elementos comuns aos conceitos de Malek e Said: o negro é exterior à história cultural do espectáculo enquanto seu produtor, mas também, e sobretudo, seu consumidor. Nomear, diferenciar ( até o El Negro) é uma faculdade do poder. Pudessem os colegas, negros, de profissão do jogador insultado ter lido Fanon : The negro is not. Any more than the white man.
Tinha o meu mais velho uns cinco ou seis anos quando o ensinei , com pedagogia, a ver as coisas. Estávamos a ver um Académica x Penafiel quando o estádio quase todo começa a imitar um macaco de cada vez que o N’Doye ( do Penafiel) tocava na bola. Por acaso esse mesmo N’Doye veio para Coimbra, onde jogou que se fartou e não recebeu bananas. A certa altura reparei que o garoto tambem grunhia. Dei-lhe um calduço seco e curto na parte de trás da cabeça, expliquei-lhe que aquilo não se fazia (tal como não se come com as mãos) e perguntei-lhe se também ia grunhir quando os negros da Académica tocassem na bola. Remédio santo, a pedagogia funciona sempre.
FNV