Onde é que dói à esquerda, perguntava eu, supondo que o estado de prostração em que se encontra é artificial. Há algo de perturbador em verificarmos que os activistas mais combativos dos três partidos da oposição não integram os núcleos que os dirigem: no PS, Sócrates e Soares; no PC, Arménio Carlos; na esfera de influência do Bloco de Esquerda, Daniel Oliveira e Rui Tavares. Quanto a Seguro, a Jerónimo e aos poliamorosos da rua da Palma, parecem confortavelmente instalados na tempestade perfeita da fronda neoliberal.
Vale a pena recordarmos o seguinte: esperar pode ser uma estratégia racional. Quando Steve Jobs regressou à Apple cortou as despesas, limpou os projectos de pesquisa e desenvolvimento, reduziu a gama a um pequeno grupo de ofertas segmentadas, fez uma campanha de posicionamento, lançou um computador popular e a seguir ficou quieto, aguardando aquilo a que chamava “the next big thing”. Mais tarde apresentou o iPod e o resto é História.
Mas o tempo de pousio da Apple foi preparado por meia-dúzia de acções enérgicas, o que nada tem de comum com a indolência da nossa oposição. A cultura e organização interna de cada partido, o seu discurso económico, a formulação dos grandes temas, o modo como se relacionam com os eleitores, as ligações que estabelecem com os partidos mais próximos, os processos de financiamento, a escolha dos territórios da acção política não se alteraram desde 2011.
O país mudou, mas os partidos aguardam uma inversão de ciclo em vez de prepararem o caminho para a revolução. Onde é que dói? Aqui:
Incoerência das propostas económicas.
Relutância em reconhecer os limites da autoridade do Estado perante os credores.
Incapacidade de negociar uma coligação.
Hesitação entre uma perspectiva cíclica ou disruptiva da acção política.
Uma cultura que favorece os públicos internos, sacrificando o crescimento.
Um retrato idealizado dos eleitores.
Processos de financiamento obscuros, possivelmente ilegais.
Permeabilidade à influência dos grupos económicos (PS).
Muitos limites à extensão territorial.
Concentração.
Linguagem estereotipada, distante do povo.
Confiança excessiva no funcionamento das instituições.
Apego aos equilíbrios do convívio partidário.
A convicção de que o país não mudou.
Insensibilidade social, com lip service aos belos valores.
E isto é só para começar.
Luis M. Jorge