Segundo o Público, os Secretários de Estado ora remodelados estão descontentes porque o PM disse que a remodelação “não tem dignidade para ocupar grande destaque político”. A notícia é confirmada por “várias fontes”, o que prova, suponho, a sua dignidade e destaque, diga o que disser o PM. Mas os Secretários de Estado ora remodelados deviam saber que o dizente PM nem sempre escolhe as palavras certas para dizer o que diz, ou mesmo o que não diz. E algo me diz a mim que ele não queria melindrar os “Senhores Secretários de Estado”. O que ele queria dizer era “Com o desemprego, e os impostos, e o Portas, isso agora não interessa nada”. Ou então “Vocês têm a Síria, o Mali, o PS, e pedem sangue por causa de três regedores de aldeia?”
Se Passos tivesse dito isto, teria dito muito bem. Mas não disse. E não disse porque a sua cabeça está cheia de lugares-comuns, armazenados segundo a lógica do desenrascanço. Quando os jornalistas lhe fazem uma pergunta ou a oposição o interpela no Parlamento, o nosso PM não dá uma resposta concreta, mas o soundbite disponível no catálogo. A realidade é para ele um ponto circunstancial a que corresponde uma fórmula em politiquês corrente: “ajustamento”, “sair da zona de conforto”, “sacrifícios pelos nossos filhos”, “luz ao fundo do túnel”, “país com oitocentos anos de história”, “compreendo a frustração dos portugueses” (esta vem da bola, onde é muito usada para conter a ira das claques). Mesmo a tirada aparentemente espontânea “que se lixem as eleições” é uma fórmula que substitui o pensamento.
Sendo a realidade infinita e o número de fórmulas limitado, há de vez em quando um défice entre a procura e a oferta. O resultado é conhecido por gaffe, um nome emocional para o que não passa de má distribuição dos recursos linguísticos. Por exemplo, a célebre frase “não podemos ser piegas”. Estou em crer que Passos já tinha usado há menos de três dias os “sacrificios” e a “zona de conforto”. Não querendo repetir-se (até o estilo formular tem uma estética, como sabemos de Homero), declinou o “façamos das tripas coração”, excessivamente demótico para a gravidade da hora. Porque a hora, grave, exigia sentido de Estado. Saiu-lhe, pois, o “piegas”, o mais próximo do “sangue, suor e lágrimas” do velho Churchill que um ex-jotinha alcança sem teleponto.
De modo que, Senhores Ex-Secretários de Estado, não vos preocupeis com a dignidade perdida. Olhai se o PM tem dito “que se lixem os piegas”. E mais não disse.
PP
de chupeta.
Cruel.
Científico. Cruel, portanto.
Sendo a realidade infinita e o número de fórmulas limitado, há de vez em quando um défice entre a procura e a oferta. O resultado é conhecido por gaffe. Por exemplo, a célebre frase “não podemos ser piegas”.
Olha que, apesar de tudo, nesta parte as coisas não serão bem como descreves. Calculo que o qu echamas gaffe seja uma excelente adaptação ao pensamento geral ( não ao discurso).
O problema é que não há pensamento geral (a não ser graças à tua generosidade).
Adorei. Não diria melhor, por mais que tentasse.
“Saiu-lhe, pois, o “piegas”, o mais próximo do “sangue, suor e lágrimas” do velho Churchill que um ex-jotinha alcança sem teleponto.”.
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Difícil dizer melhor e mais curto. Infelizmente, não é só no plano verbal que estamos longe, muito longe, de um governo de “sangue suor e lágrimas” que as circunstâncias exigem.
Sim, mas também “para quem é, bacalhau basta”.
Não basta.
Não devia, mas PPC “pensa” que sim e, pelo andar da carruagem, se calhar tem razão.
Está excelente.