Uma das coisas mais surpreendentes na trupe de Passos, que chegou ao poder alardeando uma capacidade de comunicação que Manuela Ferreira Leite supostamente não teria, é a abissal incapacidade de compreender a “rua”, ou lá como se diz.
Começou com as telenovelas do Relvas. O homem ficou no Governo quando já toda a gente tinha percebido que era um cadáver adiado. Toda a gente menos Passos, o próprio e a trupe. O pessoal contribuinte tolera muito, mas não que um chico-esperto tire num ano o canudo que custa três, quatro, cinco ou mais ao resto da malta. É como passar à frente de alguém na bicha do super-mercado. Quando o chico-esperto é o braço direito do Primeiro-Ministro, a sombra do chico-espertismo estende-se a todo o Governo. Como é que eu sei, se não percebo nada de “comunicação política”? Ando de Metro e vou ao café. Experiências “comunicacionais” riquíssimas, garanto-vos.
Depois, foi o aumento da TSU. Tendo dito várias vezes, a última em dois discursos de Verão que só serviram para isso, que não haveria mais austeridade e estávamos no bom caminho, Passos mudou de opinião de um dia para o outro. Sem falar com os parceiros sociais, à pressa, antes de um jogo de futebol da selecção para ver se a medida passava no meio do fervor patrioteiro, anunciou na televisão que ia obrigar os trabalhadores a pagar mais para o Estado e as empresas a pagar menos. Ou, pelo menos, deixou que toda a gente percebesse isso. Não contente com o desastre, foi na mesma noite a um espectáculo de música ligeira. Talvez a ideia fosse desdramatizar o saque anunciado horas antes, mas o efeito foi exactamente o contrário. O efeito de contraste era demasiado visível. A cereja em cima do bolo foi a mensagem do “Pedro” no Facebook, um exercício de heteronímia lacrimejante que nos faz perguntar se o “Pedro” tem alguma noção, vaga embora, das consequências das suas decisões e das implicações do seu cargo. Tenho as minhas dúvidas.
Agora diz Miguel Macedo, ministro irritado com as grandes e pequenas manifestações dos últimos dias, que “não podemos ser um país de muitas cigarras e poucas formigas”. As palavras de Miguel Macedo não são apenas um desabafo – são a “narrativa”, para usar uma palavra bué da comunicacional, do próprio Governo. Nós, Governo, estamos a fazer tudo para reformar o país e acabar com a crise, mas há sempre uns privilegiados (funcionários públicos, professores, tvs privadas, empresários “instalados”, cigarras em geral) que protestam para manter os privilégios. Foi o que disse o Primeiro-Ministro, quando intimou os Portugueses “a não serem piegas”. Foi o que disse Carlos Moedas, no Sábado, aos empresáros que criticaram a subida da TSU para os trabalhadores porque iria afectar o consumo e, portanto, as empresas que vivem do mercado interno. Na cabeça unidimensional dos nossos governantes, incapazes de lidar com a complexidade de um país que só conhecem das reuniões partidárias e dos manuais de marketing, uma medida que aparentemente beneficia as empresas, mesmo que à custa dos trabalhadores, só poderia ser bem recebida por estas. Esqueceram o pormenor, talvez porque vinha no manual de marketing do 2º ano, de alguém ter de comprar o que as empresas produzem. Foram as cigarras a lembrá-lo: ainda servem para alguma coisa, afinal. Mas a narrativa é a mesma, seja na versão jotinha de Passos, na de notável da província de Macedo ou na tecnocrática de Moedas. Se eu fosse assessor de comunicação ou outra ciência oculta, aconselharia o Governo a mudar de narrativa e não de povo, ao contrário do que sugeria o Brecht. Está na hora de partir para outra (versão Passos). Não é com vinagre que se apanham moscas (versão Macedo). Há que gerir as expectativas dos agentes económicos (versão Moedas).
Temo, no entanto, que o Governo não siga tão sábio conselho. Miguel Macedo e os demais discípulos de La Fontaine (ou dos manuais de marketing) devem estar convencidos que só as cigarras foram às manifestações do fim-de-semana. Enganam-se, mais uma vez, e é por estarem enganados que perderam “a rua”, ou lá como se diz. Aquilo estava cheio de formigas, fartas de pagar a crise. Ou o aumento da TSU era só para as cigarras?
PP