A âncora de 4 mil milhões de euros.

A história é narrada por Daniel Kahneman, um psicólogo que ganhou o Nobel da Economia, no seu livro “Thinking, fast and slow”. Ele conta-nos como construiu uma roda da fortuna que só parava nos números 10 e 65. Depois recrutou alguns estudantes da universidade em que leccionava para uma experiência. A roda era activada perante cada um, e todos respondiam a uma pergunta: “qual julga que é a percentagem dos países africanos entre todas as nações representadas na ONU?”

Os resultados de uma roda da fortuna não deviam ter influenciado as respostas dos alunos, mas foi exactamente isso que aconteceu. Aqueles que viram a roda da fortuna parar no 10 estimaram em média que a percentagem de nações africanas na ONU rondava os 25%. Mas, entre os que viram o número 65, essa estimativa subiu para 45%.

A isto chama-se o “efeito de âncora”, e ocorre quando as pessoas atribuem um valor determinado a uma quantidade desconhecida antes de calcularem essa quantidade. A psicologia demonstra que elas são influenciadas pelo número que tinham na cabeça antes de procederem ao cálculo, mesmo que o número seja irrelevante!

Vem isto a propósito dos 4 mil milhões de euros que o Governo, e os papagaios que o apoiam, querem cortar “em permanência” ao orçamento de estado. Ninguém sabe de onde vem este número. Ninguém explica como lá chegou.

Nem é preciso, porque a eficácia do número não precisa de uma justificação. Não é um valor sério, nem assenta em qualquer espécie de realidade.

É uma pura mentira. É uma âncora.

Luis M. Jorge

14 thoughts on “A âncora de 4 mil milhões de euros.

  1. Mateo diz:

    Excelente. Apenas um reparo: no nosso caso não é uma âncora, mas sim um bloco de cimento no pés.

  2. henedina diz:

    Ontem pensei que o Luís tinha mais rasgo no blogue individual…três horas depois: igual a si mesmo :).
    Este não devia ser escrito pelo “outro”?

  3. henedina diz:

    Pode não por, não me ofendo.

  4. Jorg diz:

    De facto, podemos sempre especular sobre a origem das coisas… De onde vem este numero? Se calhar do “Big Bang”… Chama-lhe âncora – eu chamo-lhe paredão, cuja altura não se topa – pode ser até milhões de pis (3,14… e tal), ou seja um número irracional …
    O Problema é que por demasiadas vezes andamos (e andámos) a confundir o paredão não só com âncoras, mas com biombos – que logo tombam apenas com uns piparotes geniais…-.
    E depois como fazemos com diz o outro «Nós temos de definir o padrão de vida de que não estamos dispostos a abdicar e então pedir solidariedade europeia.». Boa noite e boa sorte!

  5. NS diz:

    É fácil concordar que o governo é francamente mau e qualquer pessoa com bom senso não deixará de o fazer. O modo como foi colocada e continua a ser vista a reforma do estado é absurda e constitui um entrave muito significativo a essa reforma. Mas nos 4 mil milhões não tem razão. É muito fácil perceber de onde vem o número – é o que se estima ser necessário para reduzir o défice em 2014 para os valores com que nos comprometemos no memorando. As contas são fáceis de fazer.
    Na realidade, a reforma de eficiência que o Estado realmente precisa provavelmente conduziria a uma poupança substancialmente maior, mas para isso é preciso tempo (que não temos) e cabeça (que não elegemos).

  6. FS diz:

    Este blogue consegue – mesmo – ser genial.

  7. lucklucky diz:

    Não sabe que existe défice?
    Deveria ser bem mais.

  8. Como se não houvesse amanhã diz:

    O que faz falta são políticas de crescimento. Há décadas que se sabe que são necessárias mais políticas de crescimento, para crescer. Se tivéssemos tido políticas de crescimento não estávamos como estamos agora. É muito importante perceber que se não se adoptam políticas de crescimento o País não pode crescer, logo, nunca é demais insistir na importância das políticas de crescimento.

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