1.
Dois bloggers liberais exercitaram ironias profundas a respeito dos meus posts sobre o caso Miró.
O primeiro questiona, com o overacting de quem se julga mais esperto do que os outros o julgam, se por admitir que era de manter os Mirós em Portugal não seria melhor mostrá-los no meu post (os que cá estão, não os que se exibem nos museus internacionais). A alusão, se de alusão se trata, parece ser a de que os Mirós portugueses são uma merda que me envergonhariam se os exibisse aos meus compatriotas ou algo do género. Resposta breve: a Christie’s não acha. E a Christie’s é o mercado. E o mercado é sagrado, etc. E aliás eu não escrevi que os queria cá, só perguntei se não era razoável fazer contas antes de espumar ódio à arte contemporânea.
O outro blogger tenta aplicar umas leituras heurísticas aos textos deste vosso criado, para demonstrar que entre vender uma colecção ao estrangeiro e comprar uma colecção à instituição privada que a detém em Portugal a diferença é inexistente, o que lhe basta para concluir o raciocínio com enorme satisfação e orgulho. Acontece que a instituição que possui os tais Mirós é uma empresa de capitais públicos, a menos que eu tenha treslido, pelo que me parece um bocadinho abusivo discorrer com tanta propriedade sobre a lógica da batata.
2. Mais interessante é este texto do Filipe:
Enquanto Louçã não comunica o resultado da estratégia para a reestruturação da dívida ( ainda ontem Valadares Tavares explicava a espiral da dívida galopante na SIC-N e como o governo ignora o peso das despesas do Estado em favor dos salários do funcionários públicos) e uma alternativa à de Louçã não aparece, Lisboa sempre se pode entreter com novidades na excruciante questão Miró.
Para a semana aparece outra. Talvez Sócrates se recorde de um gelado de morango que comeu em Maio de 1973 e os Poirots da patanisca descubram que afinal era de baunilha, talvez os lisboetas se voltem a interessar por um menos pomposo património nacional.
Três comentários:
Primeiro, não é Lisboa que se entretém. É o país, e com toda a justiça porque o dinheiro ou os quadros lhe pertencem.
Segundo, parece-me irrelevante que as consultas para a venda dos quadros se tenham iniciado no tempo do Governo anterior. Como diz, no texto da notícia, Gabriela Canavilhas, o que conta é a decisão da tutela, não os contatos prévios feitos pelos administradores. Mas a irrelevância da notícia não quer dizer que a questão não deva esclarecer-se, até porque há uma história de desrespeito pela lei neste caso como no caso Crivelli. Pacheco Pereira dissecou bem o tema, e suponho que nem a extraordinária lucidez dos governos PSD dispensa o Estado de Direito
Terceiro, o Filipe comete uma falácia ao sugerir que em vez de Mirós e merdas assim os lisboetas se interessem pelo verdadeiro património nacional , o da Bayer. Falácia porquê? Porque a alternativa é falsa: o dinheiro da venda dos quadros não se destinaria a recuperar conventos em Viana do Castelo. Não existe relação entre as duas coisas.
Finalmente, há sempre coisas mais importantes que os Mirós. Os conventos em ruínas. Os pobrezinhos. Os velhinhos. O casamento gay. Os desempregados, coitadinhos. Só que o que está aqui em causa não é exigir que o Estado invista para ficar com os quadros, mas sim que faça as contas de modo a assegurar que a sua venda é o modo mais racional de aplicar os recursos públicos. São estes que interessam, não os Mirós.
O ódio à “arte degenerada”, “à esquerda intelectualóide”, aos “lisboetas” e ao próprio Miró — tal como tenho encontrado em blogues de direita um pouco por todo o lado — ainda não substitui alguns rudimentos de matemática.
3. Dito isto, vou estar fora da bloga umas semanas. Preciso de reencontrar o prazer da inteligência, da frescura, do humor sem compromissos e de um progressismo matizado que vi neste hobby durante tantos anos. Veremos se tenho sorte.
Luis M. Jorge