Temos aprendido muito sobre a natureza humana nestes anos.
Sabemos que é possível retirar todos os meses dez por cento de seiscentos euros a um reformado sem que isso perturbe a paz social.
Sabemos que se podem condenar trinta mil professores de uma só vez ao desemprego e financiar escolas privadas com recursos colectivos perante o torpor de quem paga impostos.
Sabemos que é viável reduzir mais de metade do ordenado a um funcionário público invocando critérios vagos, talvez razões políticas, e ainda assim merecer a cortesia dos líderes de opinião.
Sabemos que resulta trocar palavras como “despedir” e “espoliar” por eufemismos como “requalificar” ou “racionalizar”, sem clamor nem resistência das elites.
Sabemos que alguns dos nossos melhores, aqueles que nas universidades, nas colunas de jornais defenderam a democracia e a justiça, aceitam ser flores da lapela de quem nos expôs a toda esta casta de indignidades.
Oiço os comentadores e maravilho-me com a organização serena das suas intervenções: os imperativos de Estado, o deve e o haver dos orçamentos, as puras mentiras ou meias verdades que hoje contaminam toda a linguagem do poder.
E só consigo pensar que estão doentes; que a ausência total de empatia, a obstinação com que esventram milhões de vidas (quantos desempregados, quantos pensionistas?) deve ter propriedades psicóticas, atravessando décadas de maldade e ressentimento.
Não imagino de que buraco insalubre veio esta gente.
Luis M. Jorge
Gostava de ler um artigo do Pedro Lomba no DN sobre a “requalificação”.
O que escreveria sobre o uso do termo , à mistura com citações de Burke, Tocqueville etc.
Eu também Filipe.
Idem, Filipe, idem.
Concordo inteiramente com tudo o que diz. Mas penso que estamos todos numa de “inércia/apatia”, não acha?
Sim. É interessante.
Provavelmente é inato, mais nuns que noutros. Tem imensa razão quando se refere à ausência de empatia. É difícil sentir empatia quando o mesmo Estado que atacam lhes garante directa ou indirectamente que dificilmente estarão numa situação semelhante à dos desgraçados cuja vida andam a lixar.
Esta apresentação vem a propósito: http://www.ted.com/talks/philip_zimbardo_on_the_psychology_of_evil.html
Julgo que o Filipe já por aqui tinha escrito sobre essa apresentação.
É bem capaz. É a área dele. Os meus conhecimentos de psicologia são iguais aos conhecimentos do Lomba sobre liberalismo, vêm todos da internet e estão todos colados a cuspo.
Tem razão,a falta de empatia é psicopatologica chamase esquisofrenia social.
Acabei de chegar de uma cidade fabulosa…por acaso,a sua.
Refere-se a Lisboa?
Onde vive. Sim Lisboa.
Diziam que o Estado Português não podia entrar em incumprimento porque isso seria terrível e afinal já entrou. O governo acaba de propor não satisfazer os compromissos contraídos segundo a lei portuguesa aprovada na Assembleia da República face a uma grande quantidade de pensionistas que se tinham constituído credores desse estado.
Mas esses não contam.
Há um efeito interessante no texto: aparentemente é dirigido contra o poder actual, mas na realidade atinge o poder tout court. Não me recordo de qualquer empatia especial quando 30% de inflação comiam reformas mais baixas.
Antigamente havia a luta de classes…
Hoje também, mas é entre as classes mais baixas.
Só nestes anos… Devia andar a viver numa redoma – só pode!
Luís, subscrevo tudo, excepto um pormenor: aqueles que aceitam ser a flor da lapela desta gente não merecem a qualificação de «os nossos melhores». Requalifico-os como outra coisa qualquer, mais adequada ao papel a que se prestam (e prestarão, porque a maior parte só não serve o poder do momento se esse poder não estiver interessado; quando assim é, falam mal, passam por homens corajosos e livres e aguardam por quem os queira). E é engraçado: desculpo mais facilmente que está ali metido por convicção do que quem aceitou vender-se por vaidade. (Quanto ao post, levo-o comigo.)
Não sei se foi falta de convicção ou um tipo de convicção a que não estamos habituados: a necessidade de participar, etc. Mas o tempo esgotou-se.