Mortes instrumentais.

O Filipe e o Pedro angustiam-se com o uso retórico da morte de António Borges. Se bem os percebo, será indigno retirar proveitos políticos do padecimento do homem. Tenho uma opinião diferente.

António Borges morreu de um cancro diagnosticado em 2010. Nestes três anos podia ter procurado o abrigo de um remanso higienizado, mas escolheu fazer carreira pública e ocupar cargos institucionais. Entregou o peito às balas, originou polémicas, distribuiu e recebeu pancada com abandono e alacridade.

Como não era parvo, sabia exactamente o que o esperava e optou por aquilo que o esperava. Mal de nós se tivéssemos de tratar a pinças a memória de alguém que decide largar este mundo com as botas calçadas.

Luis M. Jorge

17 thoughts on “Mortes instrumentais.

  1. ppicoito diz:

    Não. Uma coisa é criticar um morto, outra é chamar-lhe filho da puta, como faz o Arrastão.

    • Bem, na perspectiva do morto suponho que o léxico é um assunto secundário. E na nossa perspectiva a análise lexical não deixa de ser uma outra forma de acção politica – talvez por isso tenhas escrito “o Arrastão”, em vez de “o Sérgio Lavos”. Ou seja, a morte é aqui um assunto público, nada higiénico, e mais vale assumi-la como tal.

      • fnvv diz:

        Não percebo a premissa e a conclusão ( o meio está muito bom) : não exprimi nenhuma angustia e todos morreram calçados, exceptuando os que estavam a dormir ou no banho.
        Bater em mortos ou usá-los para me pòr em bicos dos pés é uma cena que não me assiste.

  2. caramelo diz:

    Morto, morto, não é bem. Os políticos, normalmente, se tudo corre como esperam, não ficam bem enterrados. Quase ninguém fica, felizmente, e isso é mais verdade para os políticos. Fica sempre muito deles. É por isso que no seu caso é preferível o silêncio às mensagens de pêsames à família, como se estivéssemos a assinar o livro de condolências de um pobre anónimo amigo de um primo em segundo grau. Portanto,. se há quem diz que o homem era um prodígio que salvou o país, também se deve aceitar que do outro lado lhe chamem filho da puta. Não é o meu género, mas acontece até aos melhores. O homem, tão frontal que era, politicamente incorreto e tudo, não concordaria com mariquices fúnebres. Londres teve um carnaval fora de época com a morte da Thatcher. Não deixou de ser uma homenagem.

  3. Bem, Filipe, ou não me percebeste tu ou eu é que não te percebi. Mas toma o texto pelo seu valor facial.

  4. «Bater em mortos ou usá-los para me pôr em bicos dos pés é uma cena que não me assiste.»
    Subscrevo as palavras do FNV. E não creio que tu subscrevas o que já li em alguns sítios. Criticar o homem é uma coisa, aproveitar a sua morte para dizer que já foi tarde e, entre outros mimos, chamar-lhe filho-da-puta, coisa que, porventura, muitos não teriam a coragem de lhe chamar na cara em vida, parece-me lamentável.

  5. mdsol diz:

    A melhor síntese que li até agora: “Não me parece bem nem mal, parece-me normal”.
    O resto parece-me (mas quem sou eu!) que tem mais que ver com estética do que com qualquer outra coisa.

  6. Jorg diz:

    Algumas das “Arrastadeiras” precisavam (muito) – e parece continuarem a precisar… – de pessoas como António Borges… Ou seja, o que contam por estes dias é mais monólogo sobre elas próprias,i (incluíndo próprias dores crónicas e.g, no cimo de testa), do que qualquer opinião sobre o falecido – na recusa para discutir o resto, vale o ‘cautionary say “no “Big South” – “Never wrestle with a Pig – you both get dirty, and the Pig likes it”.

  7. caramelo diz:

    Não sei se repararam, mas o Sérgio Lavos já se retratou. Que continua a não gostar do homem, mas que se excedeu e há que ter respeito pela família, o tempo é de silêncio, etc. Corações ao alto, regozijemo-nos. Se não temos as elites mais bem educadas do mundo, vou ali e já venho.

  8. Carlos Duarte diz:

    No meio disto tudo, só me parece que continuamos com uma grande dificuldade em distinguir as pessoas (e as suas virtudes e defeitos) das ideias por elas defendidas (e a nossa concordância ou discordância com as mesmas).

    O ad hominem (tanto negativo como positivo) reina!

  9. Bone diz:

    Não havia nexexidade

  10. sérvio que sonha jogar o benfica diz:

    para o bem ou para o mal, ou para outras coisas mais perniciosas que não constituem um fim em si mesmo, mas antes um percurso cujo final todos desconhecemos, a morte sempre foi instrumentalizada.

    a espécie é aquilo que é.

    está a acontecer tudo o que era suposto acontecer.

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